quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O Enfermeiro
O narrador relata a história de uma vez em que tinha ido trabalhar como enfermeiro para um riquíssimo e poderoso coronel de nome Felisberto. Era tão rico quanto rabugento, o que teria motivado os inúmeros pedidos de demissão de enfermeiros. Por causa disso, o narrador é tratado pelo padre da pequena cidade interior em que estão com toda a atenção, já que é quase a última esperança. Corre a seu favor o fato de o senhor estar muito doente e, portanto, à beira da morte. O protagonista se mostra como o mais paciente que já havia sido contratado, o que merecia alguma simpatia do velho. Mas a "lua-de-mel" durou pouco tempo: logo o doente mostrou o seu gênio e começou a tratar o enfermeiro com severidade. De primeira, aguentou, até que atingiu seu limite e pediu demissão. Surpreendentemente, seu opositor amansou, pedindo desculpa e confessando que esperava do enfermeiro mais paciência para o seu gênio de rabugento. Fizeram as pazes, mas por pouco tempo. A tortura retoma, até o momento em que o idoso atira uma vasilha d’água que acerta a cabeça do enfermeiro. Ele, cego com a dor, voa sobre o velho, e acaba matando o coronel esganado. Sentindo-se culpado, o narrador fica cheio de remorso, mas começa a arranjar desculpas em sua mente para limpar sua consciência: o velho tinha um aneurisma em estágio terminal que iria estourar a qualquer hora mesmo. Para complicar sua situação, o testamento do velho declara que o enfermeiro era o único herdeiro. O protagonista sente-se no dever de eliminar o conflito doando a fortuna. É mais uma maneira de deixar a "consciência limpa". A partir daí começa o processo mais interessante do conto. Quando as pessoas vêm elogiar sua paciência com um velho tão insuportável, resolve elogiá-lo o máximo possível em público, como maneira de ocultar para a opinião do povo qualquer suspeita do crime. O pior é que ele acaba até se iludindo, eliminando de toda a sua consciência qualquer resto de crise. Nem sequer se livra da herança. Chega a fazer doações, como recurso de, digamos, “arejamento de consciência”. Fica, portanto, a idéia de que muitas vezes o universo de valores internos (o enfermeiro foi criminoso ao assassinar Felisberto) não corresponde ao de valores externos (uma cidade inteira o elogia pela paciência e dedicação a um velho rabugento). E o mais incrível é que, mesmo sabendo do seu próprio universo interno e, portanto, da verdade, o narrador ilude a si mesmo.
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